As múltiplas possibilidades de ser a mesma pessoa
Nenhuma história dá conta do que somos.
Sempre me disseram que eu era uma só. Um nome, um corpo, uma história. Mas ao longo do tempo, percebi que isso era mentira. A psicanálise tinha razão: Freud falava de um eu dividido, empurrado por desejos que não se sabe bem de onde vêm. Lacan dizia que somos atravessados pela linguagem, que não há centro, só palavras, correndo atrás umas das outras.
“Percebi que antes eu queria uma essência — e que agora eu queria uma existência. Existência é aceitar-se inteira e não querer ajustar-se a nenhuma imagem. Nem a minha. Eu era eu e outra, e outra, e outra.” - A paixão segundo G.H., Clarice Lispector.
Eu experimentei isso sem precisar ler teoria. Vi em mim mesma uma sucessão de personagens: a que desejava ser amada, a que queria desaparecer, a que se armava de silêncio. Todas elas eram eu, mesmo que em momentos diferentes, mesmo que às vezes fossem tão contrárias que mal se reconhecessem.
Na literatura também vi isso, antes de entender com clareza. O Estrangeiro de Camus, por exemplo — Meursault, que não sente o que deveria, que é acusado não apenas de um crime, mas de ser ele mesmo de forma errada. Ou Bentinho, em Dom Casmurro, tentando montar uma história para si e para Capitu, mas falhando, porque nenhuma história dá conta do que somos.
Ser a mesma pessoa, percebo agora, é ter vivido todas essas variações. Não é permanecer igual. É carregar, como cicatrizes invisíveis, todas as versões que fomos e que ainda poderíamos ser. Talvez seja isso que nos mantém vivos — a impossibilidade de sermos apenas um.
~
livros
A filha perdida, Elena Ferrante
A partir de gestos simples, Elena Ferrante expõe a violência que atravessa mães e filhas. Sem ornamentos, mostra como a família imprime marcas que se repetem de geração em geração. Cada escolha, cada silêncio, torna-se parte de uma história que as mulheres carregam sem saber.
Morangos mofados, Caio Fernando Abreu
Em 1982, aos trinta e quatro anos, Caio Fernando Abreu publicou Morangos Mofados. Cada conto carrega a angústia e o desassossego de uma época que começava a ver o fim da ditadura. A escrita é direta, marcada por confissão e desejo. Fala do que é instável no humano. Mais de quarenta anos depois, seus textos ainda encontram quem se reconheça neles.
estou lendo
De quatro, Miranda July
A outra filha, Annie Ernaux
Compre Domingo, meu livro, pelo site da Editora Patuá!!!
Domingo é o primeiro livro de Isadora Arraes, mas há tempos penso que ela precisa compartilhar ao mundo sua escrita. Dividido em três partes que não possuem títulos específicos, a obra passa por duas cidades e seus domingos - o dia que é veículo para o amor, para fugir do que não deu certo, para encontros, medos, angústias e alegrias.
O escritor é alguém que presta atenção ao mundo, disse Susan Sontag. Pois Domingo enxerga o mundo a todo instante. São poemas em prosa, conversas por telefone, bilhetes nunca entregues, explosões de ternura; histórias inventadas e histórias vividas pela própria autora. O resultado é moderno, humano e original. É daqueles livros que, ao ser terminado, dá vontade de começar de novo.
~
Bjbj,
I.
Estar em movimento e poder caber nos novos espaços a serem ocupados ❤️
“Percebi que antes eu queria uma essência — e que agora eu queria uma existência. Existência é aceitar-se inteira e não querer ajustar-se a nenhuma imagem. Nem a minha. Eu era eu e outra, e outra, e outra.” - A paixão segundo G.H., Clarice Lispector.